“A violência contra a mulher é a violação de direitos humanos mais tolerada no mundo”. Foi com essa afirmação, da diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, que a Delegada Débora Dias iniciou a Roda de Conversa sobre Feminicídio. O evento foi promovido pela ATENS/UFSM no dia 14 de março, no Auditório da CQVS.
A delegada, com o apoio da colega Elizabete Shimomura, que a substituirá na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Santa Maria (DEAM), explicou como funciona a lei Maria da Penha, a lei do Feminicídio, medidas protetivas, os tipos de violência, número de casos e políticas públicas para combatê-los.
O Brasil é o 5º entre 83 países no ranking dos que mais mata mulheres e o Rio Grande do Sul ocupa a 7ª posição entre os estados brasileiros. Neste ano, no país, já foram registrados mais de 100 casos de feminicídio. Em Santa Maria foram dois: um em 4 de março e outro na semana seguinte, conforme informou a delegada Elizabete Shimomura. Um caso foi no bairro Santa Marta, com uma mulher de 30 anos, e o outro no centro, com uma estudante de 22 anos, que cursava engenharia na UFSM. Em ambos foi o companheiro que matou a vítima. “Esses dois casos mostram que o feminicídio não tem preconceitos e atinge todas as classes sociais, cores e níveis de instrução. O feminicídio é um crime de ódio e a sua pena é maior que a de um homicídio: de 12 a 30 anos de prisão” explicou Shimomura.
Mas de onde vem essa violência? Conforme a delegada Débora, a violência contra a mulher e o feminicídio são violências discriminatórias sexistas e, por isso, sua origem é cultural. “Não é o álcool nem as drogas que causam a violência contra a mulher, é a nossa cultura que cultiva isso desde a infância”, afirmou.
A cultura que desde cedo dá valores diferentes a meninos e meninas é o berço da violência. “Um exemplo são os brinquedos dados aos pequenos: carrinhos para meninos (desafios, independência) e bonecas para as meninas (tarefas domésticas, dependência). Com isso não digo que não se dê mais bonecas para as meninas, mas que se deem opções para ambos”, explica.
A imagem da mulher feita pela mídia também é responsável pela violência, pois muitas vezes coloca-a no papel de objeto. “Quando não respeitamos a mulher como um ser humano, quando a vemos como uma propriedade ou alguém que deve servidão, estamos alimentando a violência de gênero. É daí que surge o feminicídio”, explica a delegada.
A violência tem diferentes formas: patrimonial (rasgar a roupa, jogar fora a maquiagem, quebrar o celular); moral (xingar, chamar de burra ou feia) e psicológica (ameaças). “A violência mais frequente que vi nesses meus 17 anos de DEAM é a ameaça. As vítimas não conseguem fazer a denúncia por medo e o medo paralisa. Além disso, não é como denunciar um ladrão que a pessoa não conhece – é o pai dos teus filhos ou a pessoa que tu amas”, afirma Débora Dias.
A delegada explica que a forma errada de compreender o amor alimenta o ciclo da violência e o feminicídio. O ciclo começa com uma briga, um grito, um tapa; depois ele chora, pede desculpas, cobre de carinho e agrado e em seguida recomeça a agressão. “A maioria das mulheres não achava que ia morrer, que um grito dele não era um indício, que o ciúme ao mandar trocar a roupa era prova de amor ou acreditava que ele ia mudar, mas não é assim. Em 17 anos de DEAM nunca vi alguém mudar”, conta.
Quando a mulher consegue romper o silêncio e denunciar o agressor, ela pode pedir medidas protetivas para mantê-lo afastado. “Não é ter um policial na porta de casa, mas caso o homem descumpra a medida ele vai preso. Aqui em Santa Maria, a Justiça e a Polícia são ágeis e estão em sincronia, então tem funcionado”, comentou Débora.
Sobre o uso de armas de fogo, a delegada afirma que para diminuir a violência contra a mulher seria preciso restringir o uso apenas para quem tem direito. “As armas pioram a violência doméstica. A DEAM é a que mais apreende armas, regulares e irregulares”, afirma.
Ambas as delegadas afirmaram que, fora as Delegacias da Mulher, existem poucas políticas públicas para evitar os casos ou ajudar as vítimas. “Muitas vítimas não saem de casa pois dependem economicamente do companheiro e não há políticas públicas para inserir essas mulheres no mercado, nem creches em turno integral para que ela possa trabalhar em horário comercial”, comentou Débora.
A delegada ainda sugere que existam mais campanhas de conscientização sobre a violência contra a mulher e o feminicídio em todo o país.