O caminho percorrido para chegarmos até o atual cenário de retirada de direitos e redução do serviço público e as implicações da reforma administrativa foram esclarecidos durante a palestra promovida pela ATENS na tarde de ontem na UFSM. Com experiência no governo federal e no sindicalismo, o consultor Vladimir Nepomuceno apresentou um panorama do cenário das reformas e como elas vão impactar no serviço público.
Conforme Nepomuceno, já desde o governo Temer está alinhavado um projeto de redução do Estado que havia sido iniciado nos anos 1980. Em 2016, as medidas que hoje estão em curso haviam sido alinhadas e em 2018 foram criadas as condições necessárias para sua implementação. Por redução do Estado, Nepomuceno se refere à privatização (de estradas, portos, aeroportos, empresas e áreas que precisam de acompanhamento público como a previdência, saúde, educação e parte da fiscalização) e facilitação para a participação de empresas estrangeiras na economia.
A restrição da admissão de novos servidores somada ao grande contingente que deve se aposentar, ao teto de gastos, desvinculação de receitas e às reformas trabalhista e administrativa visam reduzir o serviço público ou mesmo deixar determinados serviços para a iniciativa privada. “Com forte campanha e apoio da mídia, este governo está conseguindo implementar tudo o que sugere o relatório do Banco Mundial. Entre essas medidas estão o replanejamento da força de trabalho, que, na verdade é repor ¼ do contingente de aposentados ou mesmo terceirizar as tarefas por eles realizadas; aumentar a possibilidade de vínculos temporários, regimes contratuais em vez de estatutários, redução da remuneração de entrada, reduzir o número de carreiras e a possibilidade de seleção não ser limitada a concursos públicos, além de estágios probatórios de 10 anos”, disse Nepomuceno durante apresentação.
A estabilidade ficaria apenas para servidores de carreiras exclusivas de Estado como auditores, diplomatas e delegados. “Assim quem está no balcão, atendendo a população poderia ser retirado a qualquer momento e colocar nesses cargos pessoas a partir de apadrinhamento”, explica o consultor. Caso implementada, a reforma diminui o piso salarial de entrada e aumenta o tempo de progressão de carreira, além de regulamentar o artigo 41 da constituição. Com isso, a avaliação periódica de desempenho seria o único requisito para progressão na carreira e também, em caso de resultado insuficiente, para demissão do servidor”, explicou o consultor.
Respondendo a perguntas, Nepomuceno afirmou que a progressão passará a ser só por mérito e que a ideia é não melhorar o salário por titulação a não ser que seja exigido para o cargo. “A ideia do governo é acabar com a seguridade social: se quer aposentadoria, a pessoa recorre ao banco, se quiser saúde a seguradoras. Um exemplo disso é que o serviço social do INSS já foi extinto”, finalizou o consultor.
Future-se
Por problemas de saúde, a ex-reitora da UFRGS, WranaPanizzi, não pode comparecer ao evento. Dessa forma, o professor do Centro de Ciências Rurais (CCR), Renato Souza, fez um comparativo entre a primeira e a segunda versão do Future-se.
O professor do CCR, Renato Souza, que tem artigos publicados sobre o Future-se, e apresentou comparações entre a primeira e a segunda versões do projeto do governo. Conforme ele, a primeira versão foi um ataque falho às universidades pois tentou atacar a qualidade delas: o que foi amplamente rebatido por diversos indicadores e rankings mundiais.“Um dos fatores que produziu esse recuo do governo foi o reconhecimento de que não é fácil comprar briga com o setor da educação da forma hostil como foi feito. Além disso, todos os rankings estão a nosso favor e mostram que o modelo de universidade privada não funciona, através desses mesmos indicadores. O Enade apontou, por exemplo, que 66% das federais tem notas 4 e 5 enquanto 80% das particulares teve desempenho entre 1 e 2. Nos rankings internacionais figura apenas uma instituição particular contra uma maioria de federais, estaduais e confessionais “, afirmou o professor.
Outra mudança entre uma e outra versão é que a primeira apresentava uma linguagem financeira na qual as universidades estariam submetidas à lógica do mercado e desígnios do governo, enquanto a segunda apresenta uma linguagem mais jurídica e menos imposta: as universidades não seriam obrigadas a aceitar os termos e só fariam a adesão caso julguem conveniente. A nova proposta apresenta o Fundo Soberano do Conhecimento, que é de ativos financeiros gerenciado pelo mercado, porém não aponta claramente de onde surgirão os recursos desse fundo. “Ao que parece esse fundo tem funcionamento semelhante ao que hoje é feito pelas fundações. Se voltassem para as universidades os recursos obtidos com as vendas do RU, feirinhas, por exemplo, já não haveria mais a necessidade desse fundo”, avalia o professor.
Os objetivos do projeto, segundo Renato, são reduzir o orçamento das universidades, viabilizar novas formas de recurso e orientar as instituições públicas para o mercado. “A questão é que as universidades estão em uma sinuca de bico pois o orçamento está sendo cada vez mais reduzido com a PEC do Teto e é possível que elas tenham que aderir para sair do sufoco. O que o Future-se traz é uma luta ideológica para derrubar a hegemonia das universidades públicas em qualidade”, comenta Renato Souza.