Realizado no último fim de semana, a etapa municipal do III Encontro Nacional da Educação (ENE) trouxe ao debate o estado atual da educação pública nos diversos níveis (municipal, estadual e federal) perpassando a imposta Base Nacional Comum Curricular, levando em consideração a desmotivação e precarização do trabalho dos professores, a falta de mobilização de todo o país relativamente à educação e também as opressões de diversos aspectos.
Ao final de dois dias de diálogos, que ocorreram entre os dias 15 e 16 de junho na Escola Cilon Rosa, os professores, estudantes e técnicos em educação, entre os quais estava a ATENS/UFSM, apresentaram propostas que serão compiladas em um documento para o envio à etapa estadual.
A abertura do evento contou com a presença das professoras Gelta Terezinha Xavier, da Universidade Federal Fluminense, e Helenise Sangoi, da UFSM. Elas participaram da Mesa Redonda sobre “Projeto atual de educação: o que temos (BNCC) e o que queremos (classista e democrático)”. Helenise apresentou uma avaliação detalhada sobre sobre o BNCC feita pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), levantando os pontos críticos como:
- Não levar em consideração a diversidade nacional (de sotaques, culturas e biomas) tampouco a diversidade das próprias instituições e a diversidade de gênero
- Descaracterização do estudante em sua condição de diferença, bem como da desumanização do trabalho docente em sua condição criativa e desconsideração da complexidade da vida na escola
- A conversão do direito a aprender dos estudantes numa lista de objetivos conteudinais a serem aprendidos retira deste direito seu caráter social, democrático e humano
- Projeto unificador e mercadológico na direção que apontam as tendências internacionais de uniformização/centralização curricular e responsabilização de professores e gestores
- Visão tecnicista e unificadora,
- Desconsideração da construção dos saberes cotidianos, do histórico de conquistas e das Diretrizes Curriculares
- Não reconhecimento das condições de trabalho dos professores,
- Eleição de conceitos e conteúdos controversos, que não garantem a diversidade
- Atropelo de prazos da construção da Base: “Quem escreveu a BNCC? Quem analisará os resultados? A quem interessa a BNCC?”
Em sua fala, a professora Gelta relembrou o histórico de lutas pela educação nos anos 1960/70/80 e apontou que um projeto político pedagógico é um projeto de país: quais são nossos planos? Conforme a professora, temos um sistema educação não consolidado, o que não permitiu, até o momento, a elaboração de um projeto consistente de educação para a nação. Gelta ainda ressaltou que há que se adotar as bases do debate revolucionário para fazer a mudança.
Durante os Grupos de Trabalho que se seguiram no sábado pela manhã, foram debatidos os seguintes eixos: 1 – Acesso e Permanência; 2 – Terceirização, Mercantilização, Gestão e Financiamento; 3 – Opressões: gênero, sexualidade, orientação sexual, questões étnico-raciais e pessoas com deficiência; 4 – Trabalho, Precarização e Formação. À tarde todos apresentaram suas discussões e propostas a serem encaminhadas para as etapas seguintes do ENE.
A ATENS/UFSM participou do III ENE durante sua organização e também no GT 4, no qual Venice Grings foi a coordenadora e Gléce Cóser foi relatora. Neste debate estiveram presentes estudantes universitários, professores da rede municipal e federal. Os estudantes ressaltaram o descaso na formação de licenciados, dando preferência (e recursos) para os bacharelados – inclusive com as disciplinas de licenciatura em horários “pouco nobres”. A falta de empatia da sociedade com a situação dos professores, com salários atrasados e parcelados, e com as escolas públicas também foi debatido e avaliado como se poderia gerar mais empatia e mobilização a todos (professores, estudantes e sociedade).
A desmotivação dos professores (em razão da precariedade do trabalho com salários atrasados e horas a mais feitas sem serem pagas, por exemplo) levou os participantes a pensar onde foi que ocorreu a perda do valor social do professor. Como propostas para mudar esta situação e entre elas figuraram: o resgate do protagonismo e da identidade do professor e do aluno, encontros para formações continuadas com educadores e estudantes de todas as áreas e níveis, a mobilização da sociedade, com união dos trabalhadores não só da educação, mas dos outros setores (comércio, indústria); o resgate da criticidade e da autonomia.
No GT de Opressões, a relatora, professora Tatiana Joseph, conselheira da Sedufsm, apresentou que a escola brasileira, hoje, não tem contemplado as questões de gênero, de raça, de orientação sexual. Constata-se, ao contrário, um movimento de invisibilização das demandas desses sujeitos. A proposta apresentada incluiu a necessidade de uma acessibilidade verdadeira das pessoas com deficiência à escola, oportunizada por ações como a implantação do ensino bilíngue (oralidade e língua de sinais) em todas as escolas.
Para Venice Grings, o III ENE oportunizou um debate profundo sobre educação em todos os níveis de ensino (municipal, estadual e federal) no qual foi possível perceber a situação crítica que em que ela se encontra. “Vemos uma precarização em todos os níveis e não só no nosso estado, por isso no ENE propusemos ações para nos contrapor aos planos deste governo e trouxemos propostas de reestruturação da educação” avaliou Venice.
Para Gléce, o evento foi muito importante pela relevância dos assuntos debatidos, mas “fico triste pela pouca adesão”, afirmou.
Com informações da Sedufsm. Foto de abertura Rafael Balbueno e Fritz Nunes. Demais fotos, Luísa Kanaan